terça-feira, 20 de maio de 2014

O desconhecido

Não há como pedir mais. Se não conheço, permito-me que seja o que eu quero. Observo a forma como gesticulam, os locais onde fixam o olhar, a liberdade com que esboçam um sorriso, a atenção que dão ao sítio onde estão. Gosto especialmente das pessoas perdidas. Não há muitas nos dias que correm, por algum motivo as almas andam obcecadas com um propósito, têm sempre um sítio para estar, uma coisa para fazer, refletir tornou-se uma trivialidade com a qual não gastam tempo. Mas há-as, passeiam-se como mendigos, sem pressas ou desassossegos, alimentam-se dos semblantes alheios, questionam. Sim, sim, note-se que fomos impelidos a deixar de questionar as coisas mais simples, usuais e comuns, e deixámos de fazê-lo precisamente porque começámos a vê-las como simples, usuais e comuns. É esta a frescura de uma pessoa perdida! Não entende, não tem respostas, desfragmenta a informação que recebe, escrutina-a, cria, deixa-se ficar parada no tempo, quieta, a ver as pessoas passar por ela, envoltas em compromissos. E é fácil encontrar a pessoa perdida na multidão, é a que tem um olhar vazio, porque metade do que vê é criado dentro de si, é a que ri sozinha porque entende o curioso em tudo isto. As pessoas perdidas são o desconhecido, são as que valem a pena, são as loucas e as confusas, são as interessantes, vejo-as e crio-lhes histórias porque me apaixonam. O que eu não conheço deslumbra-me, faz-me questionar, tolda-me o olhar, mantém-me atenta. Perde-te, desamarra-te.

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