domingo, 12 de abril de 2020

Ainda agora comecei.

Digo-to para constatação, não para empatia. 
Desnecessária a primeira, irremediável a segunda.
Ficcionadas, ambas.

Pertenço, mas pouco. Basta-me ter espaço para usar, é excesso possuir.

Quero a dor por extrapolação e convivência alheia.
Quero o diz-que-disse da morte do parente, e os parentes imortais.

A realidade aqui á porta, e eu sem a saber abrir. 
Cai no vazio o som da última campainha. 
Mas ela retorna sem nunca deixar saber a que devo a honra.
A realidade aqui à porta, e a porta por abrir.

A fragilidade sempre tão perto da destruição.
E a porta por abrir.
Quando lhe chegar o dia, abro-a de par em par.
Que a realidade se sinta em casa, e eu tenha a coragem,

De lhe pedir perdão, e um tostão.

sábado, 11 de abril de 2020

Antecedo, com sede, as lágrimas que vou chorar por ti.

Romantizo o futuro com a serenidade de não ser eterna e haver no fim um infinito que é cinza espalhada por esta terra toda.

É-me muito familiar ter, e perder.
Ir é saber estar-me.

Nunca me quero alongar muito, para que os meus desamparos não me guardem em ti.

Se não nos formos, e nos tiver por mestre o mundo, pois que nos permitamos então a um fim tal que seja qual desaguar em ser maior, ou menor, mas coisa diferente desta que vimos sendo.

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Quero uma vida tranquila, correndo o risco de a viver. 
Estar fora nunca deixando vazio dentro, implodir-me em desapego.

Não consigo.
Pedi emoção e não soube conter. Foi cedo demais.
Este momento gela-me por não terminar, o tempo parou no pior dia da minha vida. 
E questiono tudo o que fui até hoje, este corpo não me pertence mas não sei sair dele sem que o faça em definitivo.
Estou tão assustada. 
A queda da ilusão nunca me atormentou tanto. 
Quero chorar, mas não consigo, só sei aumentar, empolar a dor por não ter por onde a tirar.

Soubesses tu calar, guardar o passo extra, desejar a plenitude no recato.

Fosse ficção para meu alumbramento.
Há tanta falta que não me conserto em presenças.


quinta-feira, 9 de abril de 2020

De todas as coisas que te posso pedir,
Quero a verdade.

Escrita com sangue meu numa parede branca de uma casa qualquer. Dessas onde ninguém entra, mas que pela fachada antecipa a glória de tempos que se deixaram, onde o pó cobre os móveis com o existir ligeiro da envolvência oca.

Sossegada, silenciada, esta casa vazia.

Se por cortesia alguma, o meu último grito ainda aqui ressoasse, encaminhar-te-ia, de embalo, ao centro da terra. Se memória bastasse para trazer o meu sorriso de volta, que os meus lábios viessem com vida suficiente para um beijo de despedida.

Neste vazio que sobra, não sentes nada que não seja frio.
Aquecer-te com o meu corpo, era levar-te comigo, e esta viagem não é a tua.

A parede é áspera, sabe a ferro. Sangue meu.

Dá-me a verdade, que posso com ela.
Sou transparente, estou entre ti e a parede, a um sol de distância.


Onde é que está a vida que conheci?




sábado, 4 de abril de 2020

Não tens que ter tudo, tão pouco, tens que saber lá chegar.

Mas querida, desiste, e tens o teu último suspiro dado a trago bravo.

De duas, com sorte, consegues uma:
Ou tenso amor da tua vida, ou a carreira de três.
Com nenhuma destas, estás a perder tempo, e a tesão.

Entre uma coisa, e outra, sempre vais vivendo qualquer coisa.
Pouco.

Deixas-te comprar.

Acaba lá isto sóbria, docinho.
Achas que sabes tudo, e que vais lá chegar, mas nem o que tens à mão és capaz de agarrar.

Tem calma.
Não precisas de ficar nervosa.

Segura isto.
Queres?
Segura isto, sem tremer.

Vemo-nos quando te souberes estar.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

É a última vez.
Não posso ficar mais,
Não me sobra o espaço para mais feridas.
Sou de sangue fraco,

Esta é a última vez.

Recrio-me quando folgar tempo e saúde.

Sou de sangue fraco,
Sou de dar dificil,
Mas quando sou de dar,
Não quero de volta.

Guarda o que tens meu,
Já não me volta.
Toma bem conta, acaricia e acarinha,
Que não me volta.
Mas se voltasse,
Acariciava e acarinhava,
Que de amor,
Multiplicava.
E não devolvia,
Guardava e tratava, deixava crescer.

Proteje.

O sol queima tudo a seu tempo.
Guarda numa sombra sossegada,
Num canto sem mais ninguém,
As pessoas estragam sempre tudo.

Guarda sem ninguém ver.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018


Um, dois, três,
Começamos outra vez.

Não te quero falhar, 
Por isso forço, e a esforço, frágil e frívola, arrisco o fracasso na sede de fruir.

Não te quero criar, 
Mas cais-me num credo, começas e recomeças, não te cessas, não te conheces senão cerrado em castros, e criança minha que fosse, em mim que vivesse, por causa e efeito, tua se faria, e à tua impetuosidade, tal qual eu, se sucumbiria.

Recomeçamos,

E não se cessa a sede, não se sustenta a subserviência,
Cada um a sofrer da sua doença,
Cada qual cego na luz do mestre.

Satisfaço-te nos meus acessos de existencialismo insignificantes? Apraz-te a reflexão idealizada?
É por índole vigorosa que te volúpias, no que, de vendada, só sei cismar?
Folgo-te a majestosidade tanto quanto te folgo a indecência, tanto quanto te brado a decadência, tanto quanto, a quanto nem sei mensurar.

Havemos de recomeçar, 
Num outro acaso, onde o zero também conte, e as ditas que rasgo, se fendam a tão fundo, que raiz tua não toque ou anteveja. 
Havemos de recomeçar, 
Quando for capaz de competir e ferir.

Não te quero criar, mas não te logres em moldes teus, que terás construção minha.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Podes culpar-me a mim,
Se não tens estofo para tanto.
Posso ser o mau da fita,
Se não sabes encerrar uma injustiça sozinho.

Culpa-me, se te apraz.
Culpa-me,
Se te ajuda.
Se, centralizando em mim,
Todos os motivos e razões por tudo estar no estado em que está,
Tu vês mais luz nos dias cinzentos do calendário que criaste,
Pois muito bem.

A culpa é minha,
E nunca ma venhas tirar.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Já fiz mais com menos,
Já tremi por dez anos,
Já sucumbi às fraquezas da alma,
Nas tardes chuvosas de Agosto.
Já beijei todas as dicotomias.
E já fui alta o suficiente, para cair com dor e voltar ao início.
Já calejei.
E não há mão que me toque agora, que não tenha mais cicatriz que as minhas,
Que não esteja sarada de cortes mais fundos,
Que não reluza mais, com menos sol.

A dependência emocional amordaça mais que a prisão física,
O engano doce, mata mais que punhais apaixonados.
A dissimulação quente e encantada,
O veneno doce,
Mata tão bem como fel.
Mas antes fel.
E repito,
Ressabiada, e a ansiar a amargura de te provar da armadura.
Antes fel.
E o sabor metalizado da vida que te brota.
Antes fel, e luz clara.
Suor e medo, compulsão e desapego,
Sucumbe comigo agora!
E ergue-te por mil vidas!

sábado, 30 de setembro de 2017

Trocos para o troco
Povo
Trocado e traçado
Trespassado
Deslavado
Ah! Farto fado!
Sarna e salto
Fausto e enfado
É de fracos
E trocamos
Trocos,
Para troco

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

És fruta fresca,
Primavera.
Não havias firmado,
E por ti na terra fremiam flores.
Não te tomei do sabor,
Nem me cheguei perto, ainda.
Ainda.
Não me apresso.
Não te meço distante,
Não me despeço.
Confiante,
Sei-te, ser eterno.
Antecipo,
E submissa,
Rego a terra que pisas,
E visto o corpo que vais beijar.
Vejo-te ao longe.
Seguras o horizonte, e ao longe,
Primavera,
E fogo-fátuo,
Não há vida mundana que te acalcanhe,
Não há simplismo que não amplies,
Não há descrição que não te infame as dimensões.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Vem depressa!
Urge o tempo!
Que ansiedade!
Não desaceleres, não te deixes abrandar!
Por favor! Vem!
Com as faltas e os excessos!
Chegou a hora! Tráz-te inteiro!

Contrafeito e ilegal, acre perigo, vem em bebandada que cá te espero.
Vem falhado e fracassado, vem de peito cheio, vem sujo e vem marcado.
Vem de cicatriz, que não há pele que reluza mais que a que sangrou e singrou.
Vem que grito e ardo em fúria, vem que és a voz que falta a este hino.

E rasgamos, de garganta armada, a timidez crassa que influi da manipulação de pulso fraco.
Vem que somos de raça brava, imortais, nascemos de manifesto alçado!
Ah!
Urge o tempo!

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Vem devagarinho,
Trémulo.
Bem podes temer. A tempo calmo vai chegar-te o choro e o desespero.
Sem troco, sem troça, traça-te as voltas e encurta-te as trocas.
Mas, vem, vem.
Devagarinho.
E pelo caminho,
Chora miudinho,
Que esse coração, como tu, pequenino,
Tem por onde bater, e não cessa por se cerrar noite.
Não te findes em tão pouco.
Vem andado,
O sol, não tarda, rasga-te a manhã.

Vem.
Devagarinho,
A lamento e a medo,
Volta sempre,
Que toda a madrugada
Acaba em luz.

domingo, 30 de julho de 2017

Todos,
Feitos de azáfama e sofreguidão.

Insatisfeitos desde o primeiro choro.

Corremos sem parar para cumprimentar a sorte de ser feliz no fracasso da fartura.
Frenéticos,
Não nos resta um suspiro para o deslumbramento,
Uma rosa para o encantamento.

Massificados e aturdidos, fruto da combustão rápida das trivialidades.
Eternos fracassados inconstantes.Transpiramos o veneno que tragamos.

Infelizes.
Estes gafanhotos de emoção, frágeis e temedores.

Não há mais peste na nova era que a velocidade com que queremos e usamos.

sábado, 29 de julho de 2017

O requinte não é humano,
É a sensibilidade.

Somos, todos, umas bestas sofridas:
Andamos sempre com uma lágrima no canto do olho para oferecer.

E choramos quietinhos, lá do alto da elegância, com a primazia do decoro.
Devoramos as armaduras de papel que usamos: marcadas pela choradeira, cheiram a mofo, mas não as tiramos!

É imperativo ver-se de fora o que não somos.
Vénias.
Fazemo-las todas, com a pontualidade das lágrimas, ao requinte.

Somos tão capazes de ser felizes quanto de lutar.
Mas neste altar, forrado a rotina, nem sabemos como somos pequenos.
Tudo quanto eleva e se levanta do chão, morre azul, no sufoco da altitude de ser-se céu.
Na choradeira de viver,
No lamento,

De bestas sofridas que somos:
Não perdemos a compostura, e na sentença eterna de sermos pó e chão,
Arrumamos a sensibilidade no primeiro degrau e não tornamos a descer esta escada plana.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Este marasmo edificado,
No pluralismo acidental.
Faz-se alto o engenho e a demanda,
Mas a fachada é espelhada,
O que lá vai dentro,
Fica no reflexo do que não entra.

São quatro da manhã,
E mais virão.
Este cansaço alimenta,
A mal e a par,
Com os devaneios,
De fraca tormenta.

Acidental é ser-se pequeno,
É ser-se cimento,
É estar atrás do espelho,
Para esconder o reflexo.

A exigência moral,
Não se te faz pressão.

Este marasmo,
Edificado na última emoção.
Fica.
Alimenta a ilusão.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Solta a sensatez.
Franca e a fresco,
Silencia-te a saudade,
Que tem frente frouxa, folga fraca, e freme por florir.

Solta-te desse semblante soturno,
Faz-te falta a firmeza fugida.
Sumiu-se o sangue possante,
Ficou-te, fraquejante, o fôlego frouxo,
Fodasse!
Saturado, suado e sujo.
Solta-te,
Solta!

Falta-te a febre,
A fome por frenesi,
A avidez.

Segura a sensatez,
Um segundo mais que seja, e,
Fausto fado teu,
Findas sem firmar.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Esse fruto.
Reluz vivo, de cor doce,
Fez-se de veneno e água benta.
Trinca-lhe a carne.
Sabe à seiva do prazer eterno.
Transpiras de luxúria,
Ardem-te as vísceras como jamais.

No início,
O sangue freme quente nas veias,
A violência com que lateja,
Tremes de volúpia,
Divindade.

No tempo de todos os tempos,
A conquista,
Ébrio,
Quase que já te sabe a raro.
Rasgas o decoro,
E estás no limite da experiência.
Passa a língua pelo sumo que te escorre pelo lábio,
Deleita-te.

O fim.

Abrupto, e a bruto.
O sangue incinera.
Os músculos não abrandam,
Atordoado,
Perdes a firmeza,
E é veneno.
O que te soube a excelso.

E morres da embriaguez benzida a promessas altas.
Qual despedida sacra, imortalizada na ascensão.


terça-feira, 9 de maio de 2017

Dia após dia,
Esperas o dia que não chega.
Nunca vai chegar,
Não é ambição desmedida,
É exagero, é desespero.
Fórmula infalível da miserabilidade.
Retrato perfeito da tua vida.
Dia após dia,
E não te chega o dia.
Ferido e esperançoso,
Desalinhas a fasquia,
Alimentas a entropia,
E esperas.
Sempre por mais,
Quando tens mais que te chegue.
Quieto e encostado,
Esperas lascivo,
Enrosca-te mais na mortalha da ganância.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Respira fundo,
Acabou.
Vê que é a tua sombra,
Não tens por onde escapar.
No buraco negro que é cabem todos os teus demónios,
E eles não têm para onde ir,
Não têm com quem mais estar.
Sabes-te noite e dia,
E nas tuas noites frias és só sombra.
Consomem-te as dores com que consomes os outros.
Frágil,
Flagelado,
Não te compensam os lençóis quentes dos dias bons.
Não te valeram os beijos de paixão casta.
Respira fundo,
Este ar ríspido,
Este abismo.
Olha nos olhos o que criaste.
Tens pouco tempo.
Insaciável e desmedido,
Vai levar-te a ferro frio.
Lança-lhe a peito aberto as memórias que a luz de outrora encadeou.
Exala-lhe o último sopro de valentia,
Lança-lhe o que ainda te resta dentro,
Não vingas por resistir,
É a tua sombra,
São os teus demónios.
Derrama,
Por fim,
As lágrimas e suor que sobram.
Olha nos olhos o que criaste,
E, olhos nos olhos,
Vai.
Que há muito te faz aproximar,
Não tens por onde escapar aos demónios que criaste,
A sombra que és,
Nas noites frias,
Ríspidas,
Dos flagelados.



terça-feira, 18 de abril de 2017

É quando perdes tudo,
E ficas sem alguém com quem partilhar o cigarro à varanda,
A sós contigo.
Vês mais, vês que querias mais.
E sobra-te amor.

Tristes os sós,
Que só se querem a eles.
Tristes que dão tudo ao que morre com eles,
Tristes que de prazer sorriem para o reflexo do espelho,
Tristes por se lambuzarem em todas as dimensões do que são,
Nunca ninguém os vai conhecer.
Tristes que bebem vinho sozinhos ao rasgar de uma brisa,
Amantes de encontros fáceis,
Domadores de camas quentes,
Apreciadores do nojo de existir nu,
Ah,
Eternos indomáveis.
São o último beijo de saúde.

São a última criatura sã,
O fim do sonho vívido,
A última fenda de amor-próprio.
Tristes os que se sabem querer antes de todos.

É quando perdes tudo,
Que vês a trama da ilusão.
Porque ainda que fraco e frágil,
Com medo e assustado,
És teu.
E ninguém te leva o que já viveste, já construíste,
Ninguém rouba o que guardas bem,
Ninguém tira de onde não chega.

E ninguém te vai dar o que não tens para devolver.
Não te iludas,
Estás só.
Como sempre estiveste,
Mas agora vês.

E vê,
Que sobejas,
De amor.
E de ti,
Ficas bem-amada.


sábado, 15 de abril de 2017

Tenho tanta coisa para te contar,
Que já temo.
Às vezes quando me deito e fecho os olhos, tudo aclara,
Queria que estivesses ao meu lado,
E ouvisses tudo o que tenho para dizer,
E me dissesses tudo o que quero ouvir.
Mas nunca estás lá,
E eu sei que vais continuar sem estar,
Se calhar há uma razão para tudo,
Se não houver, alguém arranja uma.

Na berma do precipício fica tudo mais claro,
Encadeada pelo sol,
Aquecida pela eminência,

Na berma é mais fácil que me empurres,
E me mandes embora.
O mar acolhe-me,
E embala-me pela maré fora.
Na berma,
Estás à beira de ser livre.

E se quando me empurrares te arrependeres,
Podes sempre voltar,
Eu vou estar no mar à tua espera,
Vais poder sentir o meu cheiro ao bater de cada onda,
E vais poder ouvir-me por toda a costa,
A tagarelar, como sempre.
Visita-me meu amor.
E, por favor,
Olha-me com amor,
Os meus olhos verdes são este mar azul.
Ama todos os pedacinhos em que me tornei,
Delicia-te com os rastos brancos que sobram das cócegas que o vento me faz.

Podes sempre voltar,
Eu vou ser mar e esperar por ti.
E se a vida te levar de volta ao precipício,
E o desespero te fizer saltar,
Salta.

Eu vou ser mar e vou acolher-te e embalar-te ao sabor da maré,
E vou tomar conta de ti, proteger-te,
Ouvir-te os desamparos.
Salta,

E sê comigo,
Mar eterno.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Nunca devias ter acreditado,
Devias saber melhor,
Esses moralismos de coração doce,
Esse peito eternamente pesado com as dores dos outros.
Aos outros não lhes pesa assim.

Antes tinhas já visto desmoronar,
A garganta seca,
A boca semicerrada, os lábios despidos de cor, sem gota de sangue que os rose.
E nem queres acreditar, mas não escolhes a realidade.
O corpo fica-te dormente, com desejo de parar,
Preso enquanto tudo gira à tua volta, à velocidade de sempre,
A pele está fremente de dor,
Os arrepios frios lembram-te que estás viva e a vida não é nada,
Tremes e transpiras a raiva que não encerras.
Já viste morte antes,
Sabes que ensanguenta com o que podia ter sido.
Já viste a morte antes,
Sabes que leva sempre mais do que tens para dar.
Nunca devias ter acreditado.

A tua teimosia endoidece,
Acordada és armadura,
Mas deitas-te de peito aberto e a descoberto,
Sabes que é à noite que se roubam almas.
Sabes que é à noite, debaixo da lua, que mais se mata.

Já viste a morte antes,
Calma como tu, magoa com a mestria de quem é eterno.
Não tens como competir,
Mas não te guardas,
Desprezo que ajas como se te aprouvessem estes encontros.
Vais continuar a dar-lhe de ti?
Não julgues que ela te devolve,
Não julgues que te voltas a construir feliz.
Não julgues.
Se esse coração doce não morrer do veneno,
Morre de consumo, do peso, da causa de ruína.

Esse peito eternamente pesado com as dores dos outros,
Moralismos de coração doce,
Não há asilo na era da inocência.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Andássemos nós despidos e despojados.
Sujos como somos desde o primeiro grito.
Sem o aconchego do trapo que nos disfarça os desconcertos,
Sem a exteriorização do ego ou da necessidade.
Despidos e a cru.
Soubéssemos nós caminhar como quem não se deixa ver.
Se calhar,
Só se calhar,
Despidos fingíamos menos.
Vulneráveis,
Dávamos melhor de nós.

Desculpa ter-me coberto de trapos.
Desculpa-me.
A mim e aos trapos. Que nem sabiam o que estavam a fazer, deixaram-se vir.
Tapei-me a mim e às minhas mentiras.
Tapei-me porque se me visses a nu,
Suja como estou desde o primeiro grito,
Com a pele fria de quem nunca sentiu amor,
E a fraqueza de quem não é deste tempo,
Não me voltavas a olhar.

Cobri-me para te proteger.
Oh!
Andássemos nós despidos e despojados,
Vulneráveis,
Dávamos melhor de nós.

Despidos e a cru,
Víamos.
E fingíamos menos.

Tivesse o remorso,
Este remorso,
O mesmo amparo que a ilusão.
Mas acabaram-se os trapos quando se ouviu o primeiro aplauso.
Começou alguém no fundo da sala, que quer escrever a próxima peça.
E todos se seguiram,
Só uma multidão lança uma salva destas.
Acenderam-se as luzes,
E assim, acabou.

quinta-feira, 6 de abril de 2017


Quando o meu tempo aqui acabar,
Não me chores por saudade,
Chora-me,
Por amor.

Quando o meu tempo aqui acabar,
Não me sintas em falta,
Não me encontres na ausência,

Quando o meu tempo aqui acabar,
Sabe que tive tempo,
Quase de sobra.
Quase de mais,
Quase exagerei.
Quase.

Quando o meu tempo,
Quando acabar,
Quando eu acabar,
Deita-te descansado,
Porque vou a tempo certo.

E acaso,
Me vá por demais cedo,
Levou-me comigo o cansaço.
E culpa-me,
Porque de cansada,
Me deixei ir.

Culpa-me,
Por ceder à seiva das minhas dores,
Culpa-me,
Por ser flor fraca,
Culpa-me.
Que de tão cedo ser a cegueira,
Que de tão fraco ser o saber,
Que de tão laço o viver,
Culpa-me.
Que dormente,
Nem senti que o tempo,
Nem vi que o tempo.

Culpa-me,
Que o tempo acabou,
E fui, sem dar de mim.

terça-feira, 4 de abril de 2017

A história que já se fez história.

Faz anos. 
Era de tarde, no jardim.

Estava frio, lá para uns dias de Outubto. Ou uma daquelas tardes de Julho, que por maldição se deixam resfriar. Compustura fraca de fumador não teme os resfriados de que fogem os outros.

Lá estávamos nós. Corrigo, eu. Eu sozinha, dentro de mim, numa realidade que andava a criar, embalada por uma qualquer música, coisa melancólica, o costume. 
Agasalhada até aos ossos, que o meu corpo nunca se soube aquecer sozinho. 
Com as pernas desalvoradas, não me sento como um humano conveniente, tento arrumar uma perna na outra, folgo sentir-me compacta no meio das arvores. 
Medito no assunto: muito gosto de jardins, e de me enroscar em mim. Fosse o narcisismo aconchego.
Mas bem, lá estávamos nós. 
Convidei-te para vir comigo, é por isso que agora, deliberadamente, pluralizo.

Com uma folhita de papel no colo, e uma caneta que ainda escrevia, almejava a fazer a próxima obra de arte desta geração. Devia estar com cara de quem já tem meio corpo noutro mundo, e a metade de cá em leilão. Acaso fosse a impressão diferente, confio que o senhor que passou por mim, não me teria dito nada.
Não me lembro da cara dele, nadinha. Se calhar tinha uma boina. Mas os velhotes quase sempre têm. Gostam muito de guardar a cabeça. Pareceu-me simpático. Podia ser meu avô, estivesse ele a adotar e eu para adoção. Tentei escrever qualquer coisa acerca dele, mas nunca consegui.
Finalmente percebo: Exagerei.
Ele só me disse: '' Menina, não pense tanto, que lhe faz mal''.
Podia até achar-me suicida, e estava a ver se salvava uma vida daquele dia de vivos, como são os dias todos, de vivos e dos vivos, mas enfim, nunca a redundância me fez cair.
Voltamos à conclusão.
Assim que ele acabou de falar, comecei a escrever desvairada, desarmada pela sabedoria daquele senhor, que na volta, nem soube bem o que é que lhe deu. 
Tentei. Não deu em nada.
E a culpa é minha.

Ás vezes, as coisas são só como são.
Se cair caiu, do chão não passa.
Daquele momento não passou.
Passou ele, todo contente, teve uma boa tarde.
E eu por lá fiquei, e tenho estado por lá estes anos todos, para só agora me aperceber, que às vezes pode ser tudo fácil.

Os dias são bons.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

A saga da fé. (P)Arte III

Passa o dia e a noite,
E todas as noites, tu me rezas.
O trecho decorado, o mesmo de sempre, desde o início dos tempos,
O tempos dos demónios.
E fazes das palavras anciãs as tuas,
Rezas como se suplicasses por mais.
Rezas como se a salva que decoraste te salvasse de ti.
Rezas, e pedes.
Todas as noites, de joelhos,
Pedes a Deus sem dar nada em troca.
Recitas essa falsa devoção, com os olhos brilhantes de quem já viu maior,
Mas é baça e soturna a tua sina de salvador.
Que pecados esses com que lavas a venda?

Antes consumida em chamas.
Antes ferver, que falar por frenesim.

Eu sou o meu fado, e é do meu fado não pedir ao que não é.
É do meu fado dormir com os mesmos medos com que vivo, porque não há amparo.


Não há a ajuda divina a que te benzes, e não há a fé com que acreditas.
Antes arder no meu fado.
Eu sou o meu fado.

Antes arder em mim.
E ver, sem ser maior, que chego ao mais alto do que sou, que sendo baixo, é do meu fado, e sou eu, sozinha.

Vem ver amor, sai dessa tua sede,
Sangra-te se sentes que as tuas maleitas te fremem as entranhas,
Mas não rezes mais,
Vem comigo amor,
Vem cá fora.
Estás sozinho,
Estamos sozinhos.
Estamos. Todos.
Coletivamente e absolutamente,
Sozinhos.

Desde o início dos tempos,
O tempo dos demónios.
O tempo de todos os cegos.

quarta-feira, 29 de março de 2017

A saga da fé. (P)Arte II.

Hoje saí à rua,
Saí mas não fiquei lá.

Sou de lugar algum, que não o de todos.
Saí à rua, e na rua, quase beijei o chão,
Tão firme, tão confiável.

E na rua,
Banhei-me com o calor do sol,
E ele beijou-me os cabelos a dourado, e rosou-me as faces,
E não estava sozinha, a brisa de um dia novo, abraçou-me com amor de mãe.
Saí à rua,
E por sair,
Saí de mim, e vi,

O mundo fora do que somos é deus.
Não Deus. Mas deus,
A transcendência,
A saúde,
A calma,

Na rua sou eterna,

Sou todas as coisas que não eu, porque eu sou muito menos do que me faço ver.
Por estar na rua, e não ser eu,
Eu cheirava a flores e a quente, era linda e sorria de hipnotismo,
A minha pele,  que de suave endoidecia, acariciava a aura que me circundava,
Era a princesa de um reino que nunca nasci para reinar,
Mas não tem constrangimento,

Por não ser eu, era feliz como só os inocentes, e os meus olhos verdes eram beijados pela saúde do simplismo de não querer mais.

A despreocupação consciente.
Isto é deus, e é rua.


terça-feira, 28 de março de 2017


A saga da fé. (P)Arte I.

Silencia-te.
Antes não ter nada, que a voz do engano.
Silencia-te e aquieta-te.
Acomoda-te à batida, balança-te ao sabor da dor,
Silencia-te,
Antes o silêncio.
Antes de ti,
O silêncio.
Antes o degredo que o rasgo vermelho do vinho que entornaste.
Antes a quietudo de olhar, que o cheiro do derrame.
Não tragues esse gole, de sangue frutado.
Aquieta-te.
À fezada alimentaste a fome dos que,
Com fé,
Festejam e fodem felizes,
Fizeste da fermentação desta fruta,
O fluxo de febre que frui nos fracos fascínios de quem mais não sabe.
Silencia-te, aquieta-te,
Não substimes a saudade da segurança de saber ter fé,
Não segures a solitude de quem não sonha para sempe.
Não deixes sobras,
Sobejas de saber mais,
Mas, sina tua, sujas de sobra,
Silencia-te e aquieta-te.
Que a saudade salva o pecador penitente.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Podias parar.
Paravas hoje, agora, aqui, sem mais.
Paravas e o mundo continuava.
Não és substituível, nem és assim tão especial. 
Se calhar fazes coisas especiais, mas levas isso contigo para a cova.

Acho bonito, realmente bonito que queiras ser mais, que queiras dar mais.
Mas já te vi a tirar, sei da humanidade que és.
Alguém chora as flores que morreram?
Sonhador crente. Não choram. Nunca, nem vão chorar.
As flores, e tudo quanto vive, é belo enquanto está, enquanto é.
Quando deixa de ser, é substituído.

Deita-te descansado esta noite, dorme por mil anos, dorme por mim e por ti.
Quando acordares não vais ser de ninguém senão de ti.
Não vais ter lágrimas por ti, senão as tuas.
Que elas te acalmem e te lavem as feridas, que elas cuidem de ti, de mim e de todos, afoga-te nelas se te pesa respirar, elas que te levem além que estás aquém de ti e de quem foste.
Estou eu aquém por estar do teu lado, aprendemos a partilhar os derrames e os infames, impregnámos no que somos a relação que nos une, e quanto mais nos une mais nos perdemos nela.

Estes equilibrios frágeis, são o veneno que tragamos a coração aberto.
Antes dormir mil anos, a acordar para chorar das dores de ver.
Podias parar.
Paravas hoje, e hoje no mundo faz-se a eterna primavera que sempre se fez sem ti.
Faz-se um dia bom que não te pertence, não se te sabe dar, não te vê por não estares cá.
Paravas hoje,
E nada parava,
Que não fazes parar,
Não cumpres mais que os poderes que tens,
E não tens poderes para seres mais do que és,
Porque não te dás a mais,
Ou por demais te dares,
Linda flor,
Não te choram à partida.

Antes dormir mil anos.

quinta-feira, 23 de março de 2017

O dia em que podia morrer.

O dia em que podia morrer não começou de manhã,
Começou com o primeiro empurrão.
Aguentei-me, e quase quis morrer.
Levei mais, e quase quis morrer.
Levei tantos, que quase podia morrer.
Mas no dia, em que de todos os dias, podia morrer, foi quando de viva, parei de viver.
Foi quando de susto me assustei de viver.
Foi do devasso de perceber, da sede não permitir, da alma não sumir, da bruma não parar.
No dia em que podia morrer, caí da dor de existir, da dor de ser.
No dia em que podia morrer, não morri por fraqueza, delicadezas de um espírito fraco, tremores de nervos frágeis. Ah! A vida é nada.
Nada somos, a que aspiramos? Mais um suspiro? Contamo-los até ao último, e o último não chega a tempo. Nada vem a tempo, somos do tempo que nos faz, ele nunca se nos chega, nunca se nos apráz.

No dia em que podia morrer,
Tinha já muitos planos de saúde, muitos sonhos de inocência. Temos fé a mais, para o abismo em que vivemos. Alçamos o céu e não somos mais que a cinza de amanhã, que tarda, com o tempo.

No dia em que podia morrer,
Escrevi.
Escrevi outrora, por outrora e por hoje.
No dia em que podia morrer, matei de um trago a saúde, rasguei de um lance este texto,
E de escrever,
Podia morrer,
Mas não morri.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Somos filhos da peste que imortalizamos.

Deixam-nos nascer, e quando nos tiram do berço levam-nos para jaulas almofadadas, onde devemos ser felizes a vida toda. Sedados com a ausência de sentido, vendem-nos a soldo, porque nos produzem em massa. Criam-nos a gosto. Por conveniência e necessidade ensinam-nos a ser parte da sociedade, a ter a voz tão ativa quanto a dos pares, porque de certa forma, somos todos iguais, crias, todos nós, da mesma fornalha viciada. Ensinam-nos a não causar embaraço, a não olhar para onde não devemos, e a não questionar o que está feito. Somos esculpidos em moldes pré-feitos, que vierem, também esses, de outros moldes. O escultores morreram quando morreu a última vontade.
Lá nos levam a passear, de tempo a tempo, vamos até onde nos querem ter, vemos coisas que nos vão deixar felizes, mostram-nos como é boa a vida segura que temos nas jaulas que nos deram.
Sortudos que somos.
Alguns, poucos, saem e nunca voltam.
Esses, os livres, os criadores, que não se deixam tomar. Esses soltam-se e criam. Fazem o que podem para libertar os que ficam. Não podem muito, mas não sabem parar. Depois de se tomar do frenesim do mundo, não se consegue caber em molde nenhum, não há limites, não há tempo e não há espaço, não há forma, nada é concreto nem linear, nada é estável, nada fica quando se pressiona.
Por isso é que devemos agradecer, pelo sítio onde nos guardam. É seguro, e confortável, está estruturado, e limitado, tomamos todos os dias, as decisões de todos os dias. Não há paranóia aqui, nem medo, nem obsessões, ou compulsões, estamos todos estáveis e equilibrados na cegueira da nossa inércia.
A maior ilusão, é a impenetrável.

Somos animais de estimação e o conforto das jaulas é o nosso dono, e o nosso mundo todo.

sábado, 3 de outubro de 2015

Perdoa-me o desabafo, calca-me a honestidade, condena-me a impertinência. Mas permite-me a ousadia de te chegar perto, de te tomar o cheiro, de te oferecer o preceito. Deixa-me roçar os lábios por essa tua barba teimosamente mal feita, enquanto te chego ao ouvido, enquanto te deixo antecipar as minhas palavras. 

A minha mão está no teu ombro e sou eu quem precisa de amparo.
Fraquejo mas não vacilo. Impludo. Impludo e trago o universo comigo.

Perdoa-me o desabafo, permite-me a ousadia.
A voz é um sussurro dentro de um sussurro.
E eu sussuro, sou tua.

sábado, 16 de maio de 2015

Existir. Em abundância

É tarde, agora.
Não sabes do que falas.
O amor não existe, não é do nosso plano, não pertence a este destino, criaste-o na tua cabeça.
É tão fácil compreender isto, que devia ser senso comum. Não é.
Passei tempo suficiente a observar-te, não és pessoa difícil.
A tua felicidade são conquistas pessoais, pequeninas como tu.
As tuas dores são solidão e embaraço.
Mas falas-me de amor. Com a voz doce, pausada, e os olhos brilhantes, falas-me sobre amor.
Tens o desenlace estudado, as imagens alinhadas, os romances contam-se descolorados pela tua vida, são a brisa que nunca chega a desequilibrar.

Nunca foste capaz de transpirar de medo, medo de morrer e perder isto.
Nunca lacrimejaste enquanto te declaravas, por sentires as entranhas revoltas dentro de ti, o estômago aos teus pés, a tensão a quebrar-te.
Nunca te custou a respirar por teres o coração a bater demasiado depressa, nunca te falhou a voz. Nunca choraste, só de pensar.

O amor não existe.
Se existisse consumia-te.
Se sentisses o que dizes não tinhas coragem de o pronunciar.
Se amasses não vivias, o amor desconcentrava-te, domava-te o cérebro.

Se amasses, cegavas.

Janeiro, 2015

sábado, 9 de maio de 2015

Matilha

Marcar presença é sempre uma qualidade dos ausentes. Falta sempre elevação de espírito aos que pertencem aos locais.
Quero o chão, todo ele. Pisado. Ao céu que não me cai em cima, não me calca.
Sou chão, sou suja, não tenho estrelas, tenho pessoas. Vidas. Passadas constantes.
Ah! Calquem-me! Agora, sempre.
Não vivo para mais, não sinto para menos.
Calquem-me. Que o peso dos vossos dias me faça gemer de dor.
Quero o sangrar de estar no fim da cadeia.
Animais.
Calquem-me até às entranhas.
Gastem a vossa sede de caça em mim.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Como as coisas ao longe são sempre mais bonitas:

Quantos contos contam esses copos de vinho?
Quantas tragédias tragaste? Escarlate.

Denso, escuro, intenso, qual sangue. Alma humana. Engana.

Engana-te por essas garrafas fora, não deixes azedar o suco, não gastes o luto a encarar.
Não gastes o tempo, que por demais, está sempre em falta.

Faz quanto te apráz, volta ao passadiço, vai lá, solta um grito, declama o poema dos fracos, o teu poema, aquele que deixaste por escrever, o tal. Esse poema eras tu. O teu poeta, de embriaguez, entornou o vinho onde havias de escorrer tu.

Não compres a garrafa, pede mais um copo.
Deixa o inteiro para os outros.

Que o absoluto seja para quem não está de luto, não teme o resoluto.

Maio, 2015.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Ah, o feliz desembaraço da inocente juventude, por que ruas andas? De muito te serviu a valentia encurralada em ideias.
Cheiras a calor e sinto a tua falta, revivo-te em voz alta sem ser capaz de te pronunciar o nome. Busco-te e tornei-te o meu desafio, a minha ponta solta, o meu assunto por resolver.

Tens o mistério triste do passado, a dor dá-ma a memória. Comes-me o futuro, e não tenho culpa para te pôr.

Data, último trimeste de 2014, o tempo perde-se pelos calendários. 

sexta-feira, 6 de março de 2015

Conta comigo.
Conta-me para estar lá e para te falhar. Mas nunca, nunca contes que te faça falta.
Conta-me!
E nem me tenhas em conta, não me dou por contada.
Não me conheço conhecida. Não me reconheço à partida.
Parti.
Poupo embaraço, piso outra calçada, pinto outro cansaço, passo por comprada, prendo outra companhia, comparada. Contada. Tida em conta. Conhecida.
Perde-me. Qual ponto preto, perdido, passível de planos polidos. Engenhos conseguidos.
Acerta o passo.
Afina a engrenagem.
Passa para a plateia.
Perfuma-te. Apruma-te. Uma tensão consome-se com mais que um fogo posto.
Pode ser que te prolongues, te ponhas em posição de poder pisar palcos. Pode ser que passes a escrever a peça.
Parti. Para píncaros.


quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Somos dois, conta três que bebemos por quatro.
Que carga de trabalhos.
Traz seis, celebramos por quem falta.
Pede desculpa, não foi com intenção.
Que infiel. Mentiroso.
Salta. Já perdeste.
Rouba. Já te algemo.
Paga, mas não te cobro.
Não sei fazer isto.
Sou tão desajeitada quanto tu.
Compenso com paixão.
Equilibro a balança porque sinto certo o errado que faço.
Tenho suores frios, a vida adoece.
Fiz mal as contas, enche outro copo.
Afinal estou ocupada logo, tenho estrelas para ver.
Estás a sangrar, desinfeta.
Faz-me rir, dou-te cigarros.
Antes dar tudo a partilhar o que tenho.
Entretém-me.
Se não me tiras o fôlego, sufoca-me. Desenrasca-te.
Estou intrigada, mas não me interessas.
Quero testar os teus limites. Atiçar o teu extremo, e observar.
Vou testar-te!
Amanhã. Hoje não posso.
Sou paciente, não penses que ganhas.
Já matei, mostrei-te as entranhas, enquanto me louvavas as manhas.
Que medíocre este descampado.
De onde têm vindo as bebidas?
Não há nada nada aqui, agora vejo a intriga.
Estou atrasada, devo ir.
Rebolo até casa, deixei de acreditar nas minhas pernas.
Que demência.
Vemo-nos em breve.
Minto.
Não te quero ver tão cedo, se queres que te diga.
Vemo-nos quando nos virmos.
Tenho um acaso marcado.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Dei por mim, e era tarde.

Se amo, é qualquer coisa, entre o tudo e o nada.
Chama-me besta. Mas não consigo conceber o amor absoluto como mais do que uma manta de retalhos. Cosem-se todas as desavenças de identidades, todos os desatinos de atitudes, contrafaz-se uma harmonia, lava-se esta dicotomia da razão, e estamos prontos para ser aquecidos e adornados pelo amor.
Bons são os amantes.
Oh! Esses frequentadores de sentimentos,
Que sobejam,
E desejam,
De um trago só, tomar o engenho à vida.
Casados de tempos livres, encontram-se quando há vagar, quando o tempo é propício, trocam um beijo doce, o coração bate forte contra o peito, e é guerra aberta, sacra.
Batalham somente os de carne boa, que saram bem as feridas, os que não temem cicatrizes, esses loucos solitários. Querem a antecipação, a manipulação de variáveis, o desconhecido, desarmar o adversário antes de ser desarmado, arrancar-lhe o riso espontâneo, saborear-lhe o olhar malicioso, controlar-lhe o desejo, aceitar-lhe as delicadezas. Ganhar ou perder tudo, pouco importa. Desde que o coração continue a bater, desde que não haja conforto, desde que isto tudo seja racional.

A carta de amor que planeei escrever vai ter que ficar para outro dia. Dei por mim, e era tarde demais.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Faz esse pedaço.

Faz-te pessoa.
Torna-te enxuto, não tem nada que saber, é por desinteresse teu, que a ninguém és capaz de interessar. Trabalha-te, tudo o que tens, todos os músculos. Porque é que teimas em te negligenciar? Tens por onde crescer. A teoria está estudada, a certeza determinada. Há virtude de todo em todo. Vai ao ginásio, corre com a ansiedade de ti para fora. Sorri para os estranhos, hão de ser conhecidos a tempo certo. Alivia a dor alheia, não precisas de ter esperança para a saberes dar, mostra interesse. Tu não queres ser o maior, queres ser grande, domina a diferença. Ajuda. Não pises a relva, não deites lixo para o chão, não sujes as pessoas, não te defendas, atacando. Pede desculpa. Arranja alcunhas para os teus amigos, leva-lhes chocolates e café. Abraça. Abraça-te a ti e aos outros. Lê. Há tanta mente alheia dada por essas páginas, tanto preciosismo mental, tanta extensão humana, íntima, exposta como se não fosse o pináculo do raciocínio do autor,  como se cada conjunção não fosse ritmada pela fremência dos nervos, como se tudo isto não latejasse com a envergadura.
Aprende. Sobe de nível. Ensina. Dá o que tens, não julgues que te pertences. Estamos todos a sofrer, guarda a tua dor, os dias maus o Diabo descontar-tos-à no purgatório. Somos todos amigos, mais do mesmo, partilhamos uma época, estamos cá para o mesmo, ser pessoa.
Compõe-te, limpa-te, vai para a rua, faz a tua parte nessas veias onde a nossa gente circula em sangue vivo.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Toca. Toca e foge. Couto.

Este frio rasga-me.
Vem jogar na mesma.
Somos todos tão mansos na nossa indisciplina, cedemos a tudo. Todo o capricho valida a satisfação momentânea, se esse momento nos faz o dia. Foda-se isso. Não quero o dia, quero tudo, quero todos os momentos, sem os caprichos.
O crepúsculo só traz sombras e frio. Mais frio. Este frio.
Pudesse eu esventrar de mim toda a delicadeza, extravazar como quem não pensa.
Rendilhar os sentidos.
Pudesse eu aquecer-me com a mestria dos simples, e a destreza dos complexos.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Metamórphosis

Dá-me uma flor. 
Oferece-me a mais bonita, a mais branca, a mais pura. 

Dá-ma para eu a ter no meu quarto, quero que ela mo perfume, quero encher este espaço com o seu odor que de tão virgem, tão casto, sublima um nirvana,
Quero-a para mim. Só para mim. Quero-a aqui.
Vou contemplar com deleito a vida que emana, vou ser mais alta por tê-la aqui, composta de fragilidade, os meus nervos vão esbugalhar-se inefavelmente com este, meu, pedaço de génese.
Sentei-me na cama, tenho comigo toda a perversão e compulsão, que são da condição humana, e por sê-lo, são do destino de todos. Consigo, complacente, vê-la a ser tomada pela efemeridade dos vivos. A beleza de hoje vai, docemente e com ligeireza, ser entregue à minha memória, a brancura por que hoje prima e resplandece, vai ser corrompida a seu tempo, a morte dar-lhe-á um tom acastanhado, vai beijá-la com escuridão. 
Bem sabemos todos que não há luz que sempre dure, não há cor que saiba ser viva se pertence somente a um par de olhos. E, oh! A pureza! Também essa tem hora marcada, quem pertence ao mundo, furta-lhe a experiência, chega sempre a hora para a mistura, infetada pelo andaço do individualismo, da existência só.

Pois bem, meu amor, minha singela flor, vou pôr-te em água e ver evaporar-se de ti a vida que esta não te devolve. Precisas de seivas, precisas de te ligar à terra, sempre o soube, mas, sórdida, torpe e vil como sou, antecipei-te o fim com desdém e indiscrição. 
Sabia que ias morrer comigo, por anseio meu. 
Não foste para mim mais do que uma flor, e no entanto, por me teres pertencido, foste tão mais que isso. Conservo-te seca, morta, acanhada a um canto do quarto, és a prova íntima da podridão do meu ser, da minha obscena necessidade de ampliar o trivial, de estragar, de tomar todas as fazes, de beber de todos os copos, misturar o doente com o são, de rir por ti e por mim, de sofrer na carne a ausência e a presença.

Toda a metamorfose tem por onde despojar um ser.

domingo, 30 de novembro de 2014

Beneméritos sazonais

Fechas a porta com vagar, não há ruido que te denuncie. Não tens quem te ouça, mas obriga-te a agir assim a força do hábito, bem sei.
Toda a vida foste sombra, esse sorriso imaculado, treinado até à perfeição, lindo. Está em todas as fotografias que tiraste com o teu marido, no céu ele esteja, muitos anos sem nós, deixou-as perfeitas. Aprendeste a amá-lo, eras nova por demais quando casaram, oh doce viúva. Tinhas a frescura de uma flor acabada de florir, o mundo chamava por ti, e entregaste-te de alma àquele homem. Sabias que ias ter filhos brevemente, era o passo seguinte, há que construir família, perpetuar a espécie. Estavas curiosa, tinham-te explicado que era uma dádiva, prometeram-te amor incondicional, transcendente.
E toda a tua vida a casa esteve cheia, e rodava sobre ti. Estavas responsável pela tua família, eras a dona da casa, a mãe devota, a mulher cobiçada, a cozinheira premiada. Não eras feliz. Mas também não eras triste, estavas satisfeita, tanta gente dependia de ti, proporcionavas bem estar a todos os que estavam debaixo do teu tecto. Um dia ias ser avó! Esse dia chegou! E quanta emoção sentiste, mais gerações, haja espaço no mundo para todos! E bem se sabe, onde cabe um, cabem dois ou três, tudo se arranja, ah! Viva a criançada, vivam as famílias!
Acende a luz. Olha de relance para as fotografias espalhadas pelos móveis, tens muitas no caminho para o armário onde guardas as mantas. Todas primam pela imagem encenada, o corpo forçosamente descontraído, a face iluminada com alegria momentânea. Ah! Pega na manta, e vai para o cadeirão, senão perdes o teu programa da tarde, deixa-te de memórias, não te dão nada. Ninguém te dá nada, estão todos demasiado ocupados, há compromissos a cada hora, a cada dia. Hoje se calhar não jantas, a solidão alimentou-te, faz falta uma companhia para abrir o apetite, uma conversa para espevitar os sentidos. Dormente como tens estado, é natural que pouco te importe. Mas nota que é fim de Novembro, a boa vontade está quase a bater-te à porta. Todos os anos, só por esta altura, mas ainda assim, com uma consistência anual, não sejamos pobres e mal agradecidos, batem à tua porta os putos com boas intenções. Dão-te um cabaz, porque é Natal, conversam contigo, porque é Natal, interessam-se por ti, porque estás só e é Natal. Dão-te atenção, e é bom que te sintas acompanhada até ao ano que vem, que é quando eles voltam. Os tempos mudaram, a solidariedade tem época marcada.
As lágrimas que derramaste secaram-te, flor. És bela, mas murchas a cada dia, ninguém toma conta de ti, ninguém ouve a tua história. Já não te lamentas com veemência, soltas o teu suspiro em tom de aceitação.
Isto é uma vida.


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Adorno das bestas, jaez.

Se eu fosse feliz não escrevia isto.
Se eu soubesse conquistar não sorria assim.
Se eu soubesse ser doutra forma, não sabia ser da forma que sou.
Sendo as coisas como são, sou a tela que não pintaste, mas a nódoa de café com que a sujaste. Sou a pessoa que escreveu o livro que não quiseste ler, sou quem tentou ensinar a quem não soube aprender, o amor que perdeste, a fúria que não tens, a saudade que não sentes, o beijo que não experimentaste. Não sou nada na ausência que és. Perdes dimensões a cada dia, fechas-te ao mundo por te negares à arte.
Fumam-te os cigarros. Viciam-se, eles, na tua vida. E tu dás-te assim, por um toma lá aquela passa. Fragmentas-te em beatas, perdidas pelo chão, sujas a rua, deixas-te pisar.
Ah! Como é acerbo saber-te assim, com essa insensatez bronca, comido pela dor que sentes, cego com certezas, afogado em frases feitas, surdo com conversas de autocarro. Estúpido! Podias ser diferente, podias duvidar, podias calar, podias ouvir a melodia. 
Quisesses tu e eras cor, sensação, cheiro, e sabor. Eras aquilo que sabes saber criar.

Oh, por quem me tomo! Em que delírios me passeio! Mas, então, se não sei eu ser de outra forma, porque haverias tu de saber?

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Fervet Opus

Não pus açúcar no café, por isso amarga.
Não vou adoçá-lo, antes deixar que seja ele a amargar-me.

Este quarto é grande demais para mim, desalenta-me. 
Cabem aqui muitas pessoas que não estão cá. 
Não estão cá e não as quero aqui, mas cabiam se estivessem.

Não me dás nada que não me tires, é tudo temporário, já percebi, escaldas-me com esses acessos de fúria. Não te quero mal e não me fazes bem. Entendo que não tenho culpa com que te selar as ações, a vida é-te madrasta, a rotina deixou-te exausto, os anos que seguras nas mãos não deixam espaço para que elas contenham também juventude. Mas podias ser feliz se quisesses. 

Não sejas tu a amargar-me. 
Queres a minha alegria? 
Dou-ta, a que tenho e a que não tenho. 
Fica com ela, adoça-te por fim.

Acabei o meu café, estamos conversados.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Volta para casa.

As ruas por que te passeias consomem-te os sentidos, roubam um pouco de ti a cada passo. Tragaste o veneno, e vejo que a embriaguez te descompôs, a tua carne está queimada, e a incineração evaporou-te o espirito. Ah! Qual desarranjo!

Volta para casa.

O meu abraço é quente, enlaça-te comigo neste gastar de tempo, neste viver desenfreado. Vem lavar o corpo, tira-lhe o cheiro a vicio. Vem descansar da realidade, vem brincar às pessoas felizes

domingo, 14 de setembro de 2014

São trovões, aquilo com que brincas

Se calhar é com complexidade que me desequilibro, quiçá tudo me seja dado com uma simplicidade que não sou capaz de escrutinar. Os meus olhos. Ainda não se ajustaram à claridade. Se calhar estou a esmorecer, a ficar dormente enquanto a corrente me leva. Ou então não. Sinto, sinto mais do que penso. Terá o meu cérebro cedido a emoções? Se calhar a culpa é tua. É por ti que me desarranjo, que me perco pelo universo. Ou então não te pertence a ti a culpa, nem a mim, nem a nada, e é o tempo que se fez tempo de mudar.
Tenho medo. O medo de sempre, mas, tendo-o, não o possuo, não me pertence, não me impede de saltar do precipício, de dizer a verdade. Sabes, sinto-me menos doente, os dias consomem-me menos. Curas-me por existires, por me conheceres, por seres feliz.
Já tenho com que preencher estas folhas, preencho-as com vontade, são do meu destino. Aceito que falta mestria ao que escrevo, mas sinto nas palavras uma honestidade crua, sinto-as bem conjugadas, e não tenho frieza mental para as ler como conjugações gramaticais.
Estou a sorrir. Basta-me isto. A pele arrepiada, o sangue quente bombeado por adrenalina, a evidencia de estar viva é vertiginosa de tão alta, tão acima da compreensão intelectual.
É perfume o ar que respiro, o cheiro é doce, enlaça-me com ternura.
Obrigada. Obrigada por este texto, por me resolveres, por me inverteres a polaridade.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Separa-te do todo

Toda a gente sente, todo o ser é sensação.
Aumenta o volume, aumenta que não há som tão alto que te silencie a mente, é brutal o ruido da tua existência. Sei que temes. Sei que a sensatez que proclamas não te nasce no coração, não te corre nas veias, não é quem tu és. Disseram-te que haviam monstros no armário, por isso vives na dependência do sol. Gastas-te em merdas. Ah! Já te disse, aumenta o volume, parte o espelho, abraça o azar, vem para o escuro, salta mais alto, chora até te esqueceres como se respira, põe um cheirinho no café, ajuda alguém. Percebe que tudo isto é arte, os panos com que te cobres, as palavras que escolhes, a forma como te moves, o ritmo em que vives. Expõe-te, exprime-te. Re-lê o texto, fá-lo depressa, aproxima as palavras no tempo. Este texto, foi feito para mim, encontra-me no que releres ou perde-te a tentares identificar-te com ele.

terça-feira, 17 de junho de 2014

O que digo, não se escreve.

E queres que todas as decisões que tomas te mudem a vida. E queres que tudo tenha significado. E queres crescer e ter tudo feito, os sonhos tornados realidade, a vida conseguida.
Largas horas passas a meditar sobre isso, tentas tomar o sabor da bebida imaginando-lhe o cheiro. Utopias, meu amor.
Mas, que seria de ti sem que te dominasse o sonho? Se deixasses de acreditar que, um dia, o mundo se vai mancomunar contigo, e terás sorte? É doce essa tua recatada sede de conhecimento e experiência, é sangrenta a fé que tens nas tuas capacidades. Mas, diz-me, ainda te lembras dos tempos em que passavas horas a brincar com a tua imaginação? Transformavas a sala de estar numa cidade. Fresca criança, residia o universo em ti. E estou certa que não estás também esquecida de teres desejado falar com a versão dez anos mais velha de ti, só para saberes o que o tempo te ia fazer. Oh eu lembro-me bem e gostava de te poder realizar os devaneios. Mas, minha pequena, o tempo deixou-te, não foi por mal, tinha que ser, e, se te serve de compensação, a minha memória de ti está intacta, é como se nunca tivesse crescido. 
É realmente como se nunca tivesse crescido, porque os meus sonhos não se concretizaram. E esta afirmação, note-se, carece de opróbrio, porque estou derradeiramente agradada com a situação.
Domina-me a contingência, coleantemente, porque aliás é muito melhor decisora do que eu, já provou lealdade e exibe a certeza de que a vida não é para ser conseguida, mas desfragmentada em histórias barulhentas. 

terça-feira, 20 de maio de 2014

O desconhecido

Não há como pedir mais. Se não conheço, permito-me que seja o que eu quero. Observo a forma como gesticulam, os locais onde fixam o olhar, a liberdade com que esboçam um sorriso, a atenção que dão ao sítio onde estão. Gosto especialmente das pessoas perdidas. Não há muitas nos dias que correm, por algum motivo as almas andam obcecadas com um propósito, têm sempre um sítio para estar, uma coisa para fazer, refletir tornou-se uma trivialidade com a qual não gastam tempo. Mas há-as, passeiam-se como mendigos, sem pressas ou desassossegos, alimentam-se dos semblantes alheios, questionam. Sim, sim, note-se que fomos impelidos a deixar de questionar as coisas mais simples, usuais e comuns, e deixámos de fazê-lo precisamente porque começámos a vê-las como simples, usuais e comuns. É esta a frescura de uma pessoa perdida! Não entende, não tem respostas, desfragmenta a informação que recebe, escrutina-a, cria, deixa-se ficar parada no tempo, quieta, a ver as pessoas passar por ela, envoltas em compromissos. E é fácil encontrar a pessoa perdida na multidão, é a que tem um olhar vazio, porque metade do que vê é criado dentro de si, é a que ri sozinha porque entende o curioso em tudo isto. As pessoas perdidas são o desconhecido, são as que valem a pena, são as loucas e as confusas, são as interessantes, vejo-as e crio-lhes histórias porque me apaixonam. O que eu não conheço deslumbra-me, faz-me questionar, tolda-me o olhar, mantém-me atenta. Perde-te, desamarra-te.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Louva-se toda a magnificência da Natureza e, claro está, com evidente razão. Mas desde quando se deixou de apreciar a naturalidade ? A partir de que momento se aceitam tantos os gestos planeados, trabalhados por uma vida de experiências e se deixam escorregar pela atenção os que têm o cunho da espontaneidade ? 
Confundem-se na multidão as pessoas realmente belas, com uma existência límpida, nuas perante o mundo que se cobriu, púdico, colérico quando face a descaramentos. Domesticado. 
Com que incongruência apreciamos quem se deixa conhecer, filtramos o que vemos, como nos foi ensinado, arrumamos personalidades, corpos, expressões, catalogamo-nos uns aos outros, sabe-se lá porquê. Entre estes estudos e análises perdemos o sabor de um ultraje, a excitação de um riso, o prazer de um sonho, a força de um gesto que se solta de nós, o selvagem que sobrevive. 
Não te importes que te achem inapropriado, não percas o sono por não teres quem partilhe das tuas alucinações, ninguém te dá quem és, passeia-te mesmo que chova, ou, principalmente quando chove! Bebe da água que sobre ti cai, não tens defeitos que não queiras ter, criatura. 
Entende que a perfeição é um espectro em desenvolvimento, embriaga-te nele, toma-lhe as cores. 
É Primavera, está na altura, floresce, e que somente o amor te colha.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Será o tempo eterno, de ninguém, e para tudo.

Tropecei num novo Janeiro, e com os joelhos feridos, sou criança outra vez. Cheira a terra porque estou deitada sobre ela. Vou lavar o sangue quando me conseguir levantar, que tem que ser o mais depressa possível, porque o jogo continua sem mim, e a ferida pouco importa, essa que sare como e quando mais lhe aprouver, não me incomoda. Ou, em rigor, não me costumava incomodavar. Já esfolei o suficiente. Agora festejo esta chegada e não deixo de lamentar a partida, faço-o sem sobressaltos, amena como quem caminha errante, sem acessos de vontade. Vou para a rua, e sento-me no chão, fecho os olhos e inspiro o ar sem lhe tomar o cheiro, olho para o céu e apesar de vê-lo nublado a memória dá-mo estrelado, sublime. Olho-o até o passado me esfacelar este momento, impondo-se por estar repleto de tantos outros, bons e maus, mas que não se repetem e sabê-lo é como uma gota de mel em taça de venenos.  
Inspiro novamente. As coisas por resolver são salgadas, e a sede que sinto hoje, não a sentirei amanhã, seja porque tudo se resolveu, seja porque bebi a água toda. Todo o Janeiro que por mim passou fez-me aprender a ter a velocidade certa na passada, a querer poesia em vez de felicidade, sonhos em vez de planos. A querer o abstrato, por albergar nele todos os pontos de vista sobre tudo quanto é concreto, a querer o que não foi dito em vez do que se disse sem querer. 
E não concluo este raciocínio, porque não quero escolher mais, chega de palavras. Chega de louvar a verdade que há nelas hoje e aceitar que mintam amanhã.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O chão encheu-se de folhas desfalecidas, cansadas de amarelo, tão mortas quanto belas. O sol flamejante embate no horizonte, e também ele parte, com uma naturalidade dilacerante, fera para a beleza disto. 
Assisto a este lance e sei-me imensa, exacerbada com a ausência de limites de espaço ou tempo, esta indefinição absoluta que esvazia a existência lhanamente. Somente a essência das coisas se vê, agora, que o  dia se despiu da luz. Há uma rudeza, um cheiro a perigo que corre pelo ar, coexiste o charro e o puro nesta hora que pertence a amantes e a assassinos, ignificam-se preconceitos em nome do espírito. 
Escorre loucura pelos meus olhos, a brisa que por mim passa acaricia-me como se me quisesse tomar. E eu não me movo. Maravilho-me por sentir que o meu coração latejante ainda tem por onde crispar, a minha respiração acelerada assegura-me que resiste ainda o ímpeto de outrora. 
Nesta noite, neste silêncio, choro porque eclode um universo de mim que não sei conter.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Ámen. 
Eu acredito, assim seja. 
Reconheço, sem espernear a minha fugaz e ignóbil existência. Aceitei com uma cegueira que é a verdadeira ausência de sentidos aquilo que me pregaram, quiçá por mo terem feito em tenra idade, antes de me sentir pensante.  Quanta submissão há perante um ser uno em toda a sua divindade ? 
Oh adultos, quanto perdem por querer controlar a mente. Perversamente se criam seitas, comandam massas, derrama-se sangue inocente com um escárnio que excomunga a fé. Aspira-se a tanto, e tão mais é o que se perde. 
Hei de arder numa fogueira, em praça pública por cuspir neste mantra que foi por demais difundido. Pois que seja feita a Sua vontade, morro com a paz que por vós é mais desconhecida que proclamada. Não pedirei que me perdoem as ofensas ou absolvam os pecados, quero ser um cadáver por benzer, uma alma por purificar, quero devolver-me ao mundo imunda por ter vivido, insana por duvidar, casta por me reconhecer verdadeira.  
Orem. Roguem perdão enquanto é tempo, subjuguem-se. Comprem a eternidade enquanto se deixam durar nesta terra.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Não há aqui nada, excepto o que aqui é meu.

Sou a abstração de cada momento, o grito abafado de um coração que não se sabe dar, o sonho de uma criança que não sabe brincar, o riso de quem não foi ensinado a chorar.
Sou o somatório de uma sucessão de inexistências. E vou para lado algum, fazer coisa nenhuma, coleccionando histórias que não conto, vendo o que não ouso descrever, cheirando o calor da humanidade, alimentando a alma à custa do corpo que purgo com a paixão doente que a sede de imensidão e pluralidade impregnaram no sangue que é meu.
Mata-me não fugir da realidade, que é dada, subjectiva, nojenta por ser aceite, vista como verdadeira, e ter um cunho de universalidade que me constrange como nenhuma outra coisa é capaz de fazer. Existindo liberdade, pressinto-lhe a presença somente quando de mim me ausento, quando sou mais vazio que carne, mais sensação que raciocínio. Quão vil é não saber ser-me.
Mas . . Saberá alguém ?
Não creio. Vamos adivinhando, uns com mais segurança, menos cientes da crueza do mundo, da cobardia que há a cada esquina, da pureza que cada raio solar celestialmente enfatiza, uns mais despertos que outros, mas todos igualmente perdidos.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Que fizeste a quanto foste ?

Mergulha. Abraça o medo, trá-lo contigo para esta água, vem, mesmo que temas. A viagem não pertencerá à tua memória, serás somente partida e chegada. Mergulha, abstrai-te. Por um instante despe-te de ti mesmo, sê vazio e esquece tudo o que te levou até ali, tudo o que te fez querer parar e desistir, esquece tudo, porque saltaste.
E agora outra altura é chegada. Perspectiva. Fecha os olhos e vê o mundo através da tua essência, transpõe-te para o que te rodeia, não te deixes absorver. O individualismo é belo porque preserva a criança que foste quando ainda não te tinham falado de regras, imposto restrições mentais ou moldado a tua imaginação. A criança que ainda corre porque crê que pode agarrar o mundo, porque o sol, a lua, a brisa, os animais, os risos, tudo lhe pertence, tudo ansiava a sua chegada. Toda a dor é física, toda a ferida sara, toda a lágrima é sincera e instantânea.
O desassossego é uma criação adulta, toda a criança interior morre de solidão, todos nos perdemos numa ilusão de inteligência presa pela mais nefasta negligência.

sábado, 19 de outubro de 2013

Reconheço-me na evidência última da minha condição - saber é já conquistar.

Há força suficiente em todo o humano para o tornar capaz de concretizar os sonhos que tem, mas somente a alguns surge a oportunidade proveniente de um doce acaso, que os propulsiona alucinadamente. Chamemos-lhe sorte, para que consigamos pensá-lo de forma mais concreta.

Quero crer que a sorte prende-se pela forma de existir das pessoas, as que fomentam a bondade em si, intentam acima de tudo ser verdadeiras, autênticas, são, em última análise, realmente sortudas, sabem a verdade e a vida sorri-lhes porque reconhece nelas o espírito da humanidade. Criam pureza, não esperam depreendê-la do mundo, irradiam uma luz que as transcende, e que instintivamente projetam em tudo quanto lhes é fronteira. As pessoas assim não são ingénuas, são belas, tão belas que nos é quase impossível conceptualizar, mas existem. Acreditássemos nós mais na inexistência de almas imundas, e também o mundo em que vivemos mais limpo estaria, respirar seria infinitamente mais prazeroso.
Chegada é a altura de começarmos a encontrar divindade nos seres que por nós se cruzam. 

domingo, 29 de setembro de 2013

Somos contos de contos, contando contos, nada.

Morrerei um dia. E com gosto.
Mesmo que em vida não marque ninguém, não desafie obstáculos, não promova avanços, não inspire quem por mim se cruza, não sinta o amor transcendente de outrem, não ria o suficiente, não aprenda com os erros, mesmo que à minha morte tudo de mim parta do mundo, toda a minha existência fique com o meu último suspiro. Mesmo assim, que bom será morrer!
Fá-lo ei sem relutância, com a entrega de um devoto, e a inocência de um crente.
Porque dia após dia, viver é uma escolha que me pertence muito, e quase não penso sobre ela, porque não me quero matar. E isto de não me querer matar pouco se expande para além da pura curiosidade. Oh, como se teima em sobrevalorizar a simplicidade, é o ser humano intrinsecamente básico e ainda assim ousa teimosamente elevar-se à complexidade de um raciociocínio. Que raça estúpida e desprezível. Que raça ardente e apaixonante.
Imenso é o paradoxo que nos envolve e imensa a bondade com que o acarinhamos.
Não sou mais que um organismo de células, com direito a uma vida de alguma racionalidade, um aglomerado de experiências, histórias que nada valem e são tudo em mim.
Assumo a responsabilidade pela forma fragmentada como este texto se desenvolveu, mas tal como eu, ele não se deixou crescer com regras de lógica ou beleza concreta, não se preocupou, porque nada importa, é irrelevante, único, uma extensão de mim, inútil, vivo, uma questão de perspectiva, de estado de espírito, de alma.

Por isso vivo como quero, a morte é minha e a mais nada aspiro. Tudo o mais é prémio, recompensa de esforço algum, sorriso leve e ébrio, dor que emancipa, acidez que me autentifica, podridão e pureza em simultâneo. Tudo de nada, nada em tudo, algures, jamais, é isto e não é nada, sou eu e não existo.
Oh, que importa ?
Conquistei o riso alucinado, porque sou louca e retraída, tenho medo e sorrio.
Quando morrer tudo terá fim, e o que sou em mim se findará. Esta evidência torna-me a vida tão minha que rejubilo com a excitação de ser, elevo-me ao pináculo de mim mesma, a um orgasmo que se intelectualizou, um frenético aglomerado de sensações que implode na paz da aceitação.

domingo, 11 de agosto de 2013

Já que o não sou por tempo,
Seja eu jovem por erro

Quando o sol se vai e a visão não é o que outrora foi , todos os outros sentidos se enfatizam.
O mundo esmorece, importa um bocadinho menos, ficamos ligados a quem partilha isto connosco, acabamos por nos deixar perspectivar, e apercebemo-nos de que nada mais que isto importa.
Eu deixei um pedaço de mim numa madrugada. E vai ficar lá para sempre, imortalizado na memória que vive em mim e se expande a outro alguém.
Na madrugada de que falo, eu conversei sem pensar se o que dizia era correto, se podia partilhar assim tanto de mim, sem temer contar o que sempre calei. Ouvi segredos de uma alma pura e honesta, segredos que conservarei. Discutimos metafísica sem quaisquer preciosismos de modo, somente uma mente aberta, embriagada, jovem no seu mais puro brilhantismo. Emanava calma de nós, entendimento, tudo era inocente, honesto, verdadeiro, intuitivo, natural, livre, em suma, era o que o mundo teima em não ser.
Eu prometi não me deixar perder, prometeste não deixar que me perdesse.
Prometo agora não deixar que baixes os braços, e assim tudo é mais justo.
Tu sabes o que a vida faz às pessoas, como o mundo as molda, sabes que as pessoas se deixam absorver pelo supérfulo, se agarram aos números, e começam a achar que a arte é o que está em voga e não o que lhes faz vibrar a tão consciente existência. Sabes que as pessoas tendem a ter segundas intenções, a ser más, a magoar, a fingir. Eu sei que sabes tudo isto, porque há em ti algo de transcendente que te permite ler as pessoas.
Eu vivo alheia à tua sabedoria, gosto de confiar, de acreditar no poder uma promessa, de aceitar o belo somente por sê-lo, e haver nisso beleza. De estar com as pessoas de quem gosto e confiar-lhes quem sou, gosto de me deixar revelar a quem é fiel a si mesmo, gosto de apreciar um silêncio quando fico sem nada para dizer, gosto das coisas simples e deixo que as complicadas me afectem. Agrada-me pensar que não há mais no mundo que aquilo que os dados dos sentidos apreendem, que nada entre os humanos se passeia com consciência, agrada-me escolher não acreditar.
Somos diferentes, sabemos e acreditamos em coisas diferentes, vemos e vivemos de forma diferente, mas quando há, casualmente, algo em comum, deixamos que se torne o ponto em que as nossas almas tocam , deixamos surgir em nós um entendimento que é cego e imenso.
E eu sei que vais ser grande um dia, os teus sonhos fazem sentido, têm um propósito, tens em ti a loucura de um eterno apaixonado, e nada mais na vida vais precisar para que te eleves ao excelente, para que faças moça no mundo, para que te libertes da lei da morte. Que deixar de lutar não seja nunca uma opção, se está a custar não lutes sozinho, junta mais alguém, mas continua, continua sempre, por ti, pela arte e pelo mundo que tanto dela precisa.
Acabou por nascer o sol, trouxe consigo a realidade que é absurda por ser mais intensa e vazia que um sonho, morreu a madrugada,e resta guardar nela o que nela se viveu, somente a ela pertencem os segredos que se partilharam e criaram.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

E o fado fada alheio ao bem e ao mal

Porque tudo passa, tudo muda, tudo morre e renasce incessantemente. Não sou hoje quem ontem fui, não posso sê-lo, não ouso sê-lo. Temo até a estagnação que a comodidade e a rotina tendem a impregnar na humanidade. Que nojo é perder-me na multidão. Temer que as coisas sigam o seu curso, que a mão do destino me guie desajeitadamente, temer arriscar . .
Que belo é estar desperto para a constante e jamais efémera novidade do mundo.

Não viver é desumano, não ser é somente estúpido. Abusemos das palavras para expressar o que não sentimos, escrevamos sobre o cremos saber, discorramos sobre tudo quanto à mente se nos surja, seja contextualizado ou não. Há tudo para ser dito, escrito, sentido, morreremos um dia e teremos deixado tudo por fazer, mas haja em nós a certeza de que tentámos.
Fracassar é a mais honesta expressão de um esforço, lograr é pouco mais do que sorte.

Deixemos que as barreiras que à nossa volta existam se envolvam num misto de limbo e horizonte, aquele talvez que é a possibilidade de infinito.